sábado, 8 de maio de 2010

TEXTO 01 - IMPACTO AMBIENTAL E DANO AMBIENTAL - Eloy Fenker

I – INTRODUÇÃO


Alterações no sistema de crenças e valores da sociedade estão gerando um novo paradigma que, na visão de Capra (2006:259), “transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais”, e demandam uma estrutura sistêmica, que está sendo formulada por indivíduos, comunidades e organizações, de acordo com novos princípios.

O presente estudo, de caráter exploratório, tem o objetivo de tecer considerações sobre impacto e dano ambiental para subsidiar políticas de gestão sustentável e também alertar para a indispensável necessidaade de um debate e consideração multidisciplinar do tema.


II – IMPACTO AMBIENTAL E DANO AMBIENTAL


Conforme o inciso II do artigo 6º. da Resolução,o impacto ambiental pode ser POSITIVO (trazer benefícios) ou NEGATIVO (adverso), e pode proporcionar ÔNUS ou BENEFÍCIOS SOCIAIS. Não consta haver Lei brasileira definindo o que é DANO AMBIENTAL, o que é um contra-senso, porque há punição por dano ambiental. Conforme Steigleder (2004,p.117):

A expressão “dano ambiental” tem conteúdo ambivalente e, conforme o ordenamento jurídico em que se insere, a norma é utilizada para designar tanto as alterações nocivas como efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses.

Milaré (2005,p.734) também se apóia na advertência de Bessa Antunes ao falar nas “dificuldades que a moderna literatura tem encontrado para definir dano ambiental, e aponta vinculação com os conceitos legais de poluição e degradação. Com isso, tende-se a imaginar que os jus ambientalistas definem uma espécie a partir da enumeração de uma sub-espécie.


IMPACTO NÃO É DANO. Impacto negativo não é dano. Impacto positivo não é dano. A aparente confusão legal leva a entender dano como sendo poluição ou degradação. Ora, poluição e degradação certamente não são consistentes com o conceito de impacto positivo. Seriam no máximo o componente negativo da equação, e não todo o impacto, ou a resultante final. Resultado idêntico seria dizer que COMPORTAMENTO é crime, quando comportamento é e não é crime, porque o bom comportamento inquestionavelmente não o é.


Um impacto ambiental negativo pode ser examinado inicialmente em três dimensões, duas não passíveis de classificação como dano.


Numa primeira dimensão, isoladamente, um impacto ambiental negativo poderia ser analisado a) sob o ponto de vista de sua magnitude e b) pelo ponto de vista de sua justificação ética ou imprescindibilidade. O art 6º. da Res. 01/86 do Conama, obriga a sociedade à adoção de um critério de tolerabilidade para impactos de pequena magnitude .Outros impactos são indispensáveis para a vida humana. São impactos autorizado pela sociedade, mormente por serem feitos sob a forma de estudo prévio e participativo, autorizativo. Medeiros (2004,p.157) entende que a participação democrática, aliada à igualdade, fraternidade, remete a responsabilidade ambiental a todos, indistintamente, e nunca atribuição de um indivíduo.Uma vez autorizado pela sociedade, não se falará em dano privado.Aliás, o respeito à autorização social e legal está previsto na Lei 9605/98, de Crimes ambientais.


O inciso II do art 6º. da Res Conama 01/86 exige a previsão da magnitude e importância dos prováveis impactos relevantes e NÃO PERMITE seu exame isolado dos impactos ambientais positivos, tratados a seguir. Essa consideração é compatível com o Art. 170 de nossa Constituição Federal, que exige tratamento conforme a magnitude do impacto em si. A necessidade de considerar a significância do impacto também foi contemplada no art. 54 da Lei 9605/98, de Crimes Ambientais.


Mas mesmo que de magnitude e importância relevante, ainda assim o impacto ambiental negativo por si só não pode ser considerado dano, sem levar em conta outros componentes positivos, o que permite construir a ponte para a segunda dimensão.


Então, tem-se uma segunda dimensão para se considerar um impacto ambiental. Tem-se que considerar o impacto positivo, os benefícios ambientais do impacto. Neste caso, a Resultante seria a soma algébrica das magnitudes dos impactos ambientais positivo e negativo.


Uma terceira dimensão, cumulativa, do impacto ambiental, consiste em considerar os custos e benefícios sócio-econômicos deste impacto, além dos benefícios ambientais, cumulativamente resultando com isto, ao final um resultado sistêmico (FENKER,2007a).


III A MENSURAÇÃO SISTÊMICA E SUSTENTÁVEL DO IMPACTO


Neste sentido, pode-se recorrer à Ciência Contábil para se contabilizar o impacto em suas diversas dimensões. O Resultado ou Rédito Contábil de uma organização corresponde à diferença entre Receitas e Custos. O parágrafo 1º do artigo 187 da Lei 6404/76 diz que o Resultado pode ser Positivo (Lucro ) ou Negativo (Prejuízo). Resultado é Gênero, sendo Lucro e Prejuízo as espécies. Analogamente, na área ambiental Impacto é o gênero, que decorre do confronto de Receitas (Benefícios Ambientais + Benefícios Sociais+ Benefícios Econômicos), e dos Custos (Custos ambientais + Custos Sociais + Custos Econômicos), sendo espécies Impactos Positivos e Impactos Negativos.


Pode-se então construir a equação final

.
Resultado do Impacto = (IAP+ISP+IEP) – (IAN+ISN+IEN), no qual:


IAP = Impacto Ambiental Positivo IAN = Impacto Ambiental Negativo


ISP = Impacto Social Positivo ISN = Impacto Social Negativo


IEP = Impacto Econômico Positivo IEN = Impacto Econômico Negativo


O Resultado (gênero) será positivo (lucro ou benefício final) ou negativo (prejuízo final).
Sistemicamente, não se pode examinar o impacto ambiental dissociado dos sociais e econômicos. Portanto, quando alguém interpreta dano ambiental como sinônimo de impacto negativo, está omitindo, não só o componente positivo do impacto ambiental, como os impactos sociais e os econômicos.


A Lei 6938 de 31/08/1981 que é base da Política Nacional do Meio Ambiente definida na Constituição, exige a consideração dos aspectos sócio-econômicos. Estas considerações de Balanço ou Resultado de impactos positivos e negativos pode ser resumida pelo termo SUSTENTABILIDADE, tão presente em nosso momento histórico.Não existe atuação ambiental dissociada de atuação social e econômica. Portanto, não existe impacto ambiental dissociado de impacto social e de impacto econômico. Não há como analisar um sem o outro.
Em toda atuação (ato-ação) humana existem riscos. Na atuação ambiental não poderia ser diferente. A existência de riscos está associada, é inerente à atividade, incluindo riscos de falhas humanas.Em princípio, o risco é da sociedade, ao necessitar um bem ou serviço. Neste ponto é clara a lição de MIRRA:


A partir daí, o que se verifica é que os profissionais envolvidos com a utilização da legislação ambiental passam a ter de lidar com probabilidades na aplicação do Direito Ambiental e os juízes, principalmente, passam a ter de tomar decisões nos processos com base nessas mesmas probabilidades, o que contraria a formação tradicional dos juristas de uma forma geral e dos juízes em especial, como sabido bastante apegada à idéia de segurança e certeza jurídicas.


IV CONCLUSÕES


O Homem somente sobrevive daquilo que extrai da natureza. Tudo o que possui matéria é extraído da natureza. Homem e natureza são um só. A novidade do tema ambiental emergente explica o estágio embrionário em que nos encontramos, em termos de conscientização social, crenças e valores, quanto em termos de regulação e aplicação. Os gestores ambientais das organizações enfrentam um alto risco jurídico de interpretações equivocadas que podem comprometer a sustentabilidade de sua empresa.


O mundo jurídico, por sua vez, tão autônomo na aplicação das Leis, deveria tomar consciência de que o tema ambiental não pode ser tratado senão de forma holística, sistêmica, o que implica na indispensável atuação multidisciplinar para qualquer tomada de decisão, sob pena de parcialidade. A consideração de dano não pode ser dissociada de impacto, em suas dimensões positiva e negativa. Impacto ambiental, por outro lado, não pode ser analisado dissociado de impacto econômico e social.


A sustentabilidade que se busca neste planeta é a do Ser Humano Integral, e o equilíbrio exige consideração sistêmica de todos aspectos envolvidos: sustentabilidade que permite a vida das atuais e das futuras gerações. Cabe aos gestores incorporarem na área econômica as considerações, crenças e valores éticos, sociais e ambientais emergentes, como estratégia de competitividade sustentável a longo prazo.


Referências
CAPRA, FRITJOF. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. Cultrix: São Paulo, 2006

DIEHL, Carlos Alberto. Controle Estratégico de Custos: Um modelo referencial avançado. 2004. 306f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.

FENKER, E. A.(a) Análise custo-benefício aplicável ao meio-ambiente. Disponível em:

<http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=24988> . Acesso em 02/09/2007 4:41


____________ (b) Natureza: Fonte de Matéria-Prima para o Homem? Disponível Disponível em:


<http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=31911>
acesso em :15/08/2007 02:09


MEDEIROS, FERNANDA L. Meio Ambiente: Direito e Dever Fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
MILARÉ, ÉDIS. Direito do Ambiente: doutrina – jurisprudência – glossário. São Paulo: Ed. RT, 2005


MIRRA, ALVARO L.V. Direito Ambiental: O Princípio da Precaução e sua aplicação Judicial. Disponível em:

http://www.aprodab.org.br/biblioteca/doutrina/alvm01.doc.
Acesso em 17/07/2007 23:46


PIZZATTO, LUCIANO. Até matar mosquito passou a ser crime:erro ou brincadeira. Disponível em :

http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=30547
Acesso em 25 jul 2007 5:51


SAVITZ, A; WEBER, K. A Empresa Sustentável. Rio de Janeiro: Campus; 2007.
STEIGLEDER, ANNELISE M. Responsabilidade Civil Ambiental: As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro..Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

Disponível em: www.ambientebrasil.com.br/espaco_leitor/viewtopic.php?id=1219861. Acesso em 04/01/2008.


TEXTO 02 - EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A Educação, em todas as suas formas, pode moldar o mundo de amanhã, instrumentalizando indivíduos e sociedades com as habilidades, perspectivas, conhecimento e valores para se viver e trabalhar de maneira sustentável. Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) é uma visão da educação que busca equilibrar o bem-estar humano e econômico com as tradições culturais e o respeito aos recursos naturais do planeta. A EDS utiliza métodos educacionais transdisciplinares para desenvolver uma ética para a educação permanente; promove o respeito às necessidades humanas compatíveis com o uso sustentável dos recursos naturais e com as necessidades do planeta; e nutre o sendo de solidariedade global.

Uma Nova Visão da Educação

Educação para o desenvolvimento sustentável é um “conceito dinâmico que compreende

uma nova visão da educação que busca conscientizar pessoas de todas as idades para assumir a responsabilidade de criar e desfrutar um futuro sustentável”. O objetivo geral da EDS é conscientizar cidadãos para agir por mudanças sociais e ambientais positivas, implicando em uma ação participativa.

EDS integra conceitos e ferramentas analíticas de uma variedade de disciplinas para auxiliar pessoas a compreenderem melhor o mundo em que vivem. Perseguir o desenvolvimento sustentável através da educação requer que educadores e educandos reflitam criticamente em suas próprias comunidades, identifiquem elementos inviáveis em suas vidas, e explorem tensões entre valores e objetivos conflitantes. A EDS traz uma nova motivação para o aprendizado na medida em que os educandos tornam-se conscientizados para desenvolver e avaliar visões alternativas de um futuro

sustentável e concretizá-las coletivamente.

Educação para o Desenvolvimento Sustentável: um Conceito em Evolução

A partir do momento em que o desenvolvimento sustentável foi pela primeira vez apoiado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1987, o conceito de educação para o desenvolvimento sustentável foi também explorado. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro (Rio-92) uniu representantes de governos, organizações internacionais e não-governamentais e sociedade civil para discutir os desafios do próximo século e adotar um plano global de ação para enfrentá-los. O plano de ação, conhecido como Agenda 21, forneceu uma série de princípios para auxiliar Governos e outras instituições na implementação de

políticas e programas para o desenvolvimento sustentável. O capítulo 36 da Agenda 21 afirma que a educação é essencial no rumo ao desenvolvimento sustentável.

Seguindo a Rio-92, a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável indicou a UNESCO para ser o organismo coordenador do capítulo 36, responsável por acelerar as reformas na educação e coordenar as atividades dos parceiros. A UNESCO foi também encarregada de fornecer apoio técnico e profissional aos Estados Membros, desenvolvendo currículos experimentais e material de treinamento; e disseminar políticas, programas e práticas inovadoras para a Educação para o Desenvolvimento

Sustentável.

O que é Educação para o Desenvolvimento Sustentável?

1 UNESCO, Education for Sustainability – from Rio to Johannesburg: Lessons Learnt from a Decade of Commitment, 2002. 2 Esses elementos foram retirados do rascunho, Educação para o Desenvolvimento Sustentável: o papel do setor educacional, um relatório preparado pela EDS para um encontro intersetorial, 5 de março de 2003.

O capítulo 36 identifica quatro grandes premissas da Educação para o Desenvolvimento

Sustentável:

Promoção e Melhoria da Educação Básica: o acesso à educação básica ainda é um problema para muitos – especialmente meninas e adultos analfabetos. Aumentar simplesmente a alfabetização básica, como no ensino atual, não desenvolverá significativamente sociedades sustentáveis. Ao contrário, a educação básica deve focar na comunhão de conhecimento, habilidades, valores e perspectivas que encorajem e apóiem os cidadãos a levar vidas sustentáveis.

Reorientar a Educação existente em todos os níveis em direção ao Desenvolvimento Sustentável: repensar e revisar a educação desde a creche até a universidade para incluir mais princípios, habilidades, perspectivas e valores relacionados à sustentabilidade em cada uma das três esferas – social, ambiental e econômica – é importante para as sociedades atuais e futuras.

Desenvolver Entendimento Público e Consciência da Sustentabilidade: avanços na direção de sociedades mais sustentáveis requerem uma população que seja ciente dos objetivos das sociedades sustentáveis e que tenha conhecimento e habilidades para contribuir com esses objetivos. Cidadãos conscientes do voto e consumidores informados podem auxiliar comunidades e governos a adotar medidas para a sustentabilidade e caminhar em direção a sociedades mais sustentáveis.

Treinamento: todos os setores trabalhistas podem contribuir para a sustentabilidade local, regional e nacional. O desenvolvimento de programas de treinamento especializado para garantir que todos os setores tenham o conhecimento e habilidades necessários para realizar seu trabalho de forma sustentável, tem sido identificado como um componente importante para a EDS.

Educação para o Desenvolvimento Sustentável em Ação

Por mais de uma década, muitas instituições de ensino superior, organizações não governamentais e agências de governo do mundo inteiro fizeram esforços significativos para incorporar o desenvolvimento sustentável em programas acadêmicos, operações e comunidades locais. A partir dessas experiências, fica claro que embora haja consenso nos objetivos gerais da EDS, sua criação e implementação nos níveis local, regional e nacional diferem, de acordo com as diferentes condições sociais, econômicas e ambientais, de forma relevante e culturalmente apropriada. Além disso, iniciativas educacionais devem levar em consideração as culturas indígenas e minorias assim como

assumir e facilitar suas importantes contribuições para o processo do desenvolvimento sustentável.

O redirecionamento da educação para o desenvolvimento sustentável deve ser apoiado pela cooperação internacional em todos os níveis e por múltiplos parceiros. Cada educador e disciplina têm um aspecto que pode contribuir com o conteúdo e pedagogia da EDS. As comunidades podem contribuir com o desenvolvimento dos currículos da EDS de forma a garantir que esses reflitam o conhecimento, as habilidades, perspectivas e prioridades das populações locais. Líderes de governo devem dar passos para reorientar as políticas e sistemas nacionais de educação em direção à EDS e estabelecer metas para cumprir compromissos internacionais. Finalmente, redes e parcerias entre governantes, instituições e organizações, sociedade civil, setor privado e mídia podem auxiliar na tradução de conceitos em objetivos e ações.

Compromissos Internacionais

Líderes de estados, ONGs, empresários e outros grupos reafirmaram seu compromisso em 2002 na Conferência Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em Johannesburgo. A centralidade da educação, definida externamente, para a criação de um futuro sustentável é evidente através das diversas referências em quase todos os capítulos do Plano de Implementação e no Parágrafo 18 da Declaração Política. O Plano de Implementação da Conferência Mundial reconhece a educação como crucial para o desenvolvimento sustentável por seu próprio mérito, mas também a vê como peça chave para transformações e uma ferramenta para atender questões como igualdade de gênero, desenvolvimento rural, saúde, HIV/AIDS e padrões de consumo, na medida em que elas interceptam a agenda do desenvolvimento sustentável3.

O Papel da UNESCO: Educação para o Desenvolvimento Sustentável

Em 20 de dezembro de 2002, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou, por consenso, a resolução estabelecendo a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. A resolução designa o período de dez anos, de 2005 a 2014, e declara a UNESCO como a agência líder para promover a Década. A UNESCO terá um papel duplo a desempenhar: primeiro como agência líder na promoção da Década e segundo como um implementador substantivo da EDS.

Aumentar a qualidade e abrangência da educação e reorientar seus objetivos para reconhecer a importância do desenvolvimento sustentável deve ser uma das maiores prioridades da UNESCO e do mundo na vinda da Década. A Educação para o Desenvolvimento Sustentável deve ser também atenta aos desdobramentos e reformas na educação, particularmente ao Plano de Ação de Dakar de Educação para Todos (EPT), a Década das Nações Unidas para a Alfabetização e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

O desafio para implementar a Educação para o Desenvolvimento Sustentável requer parcerias entre governos, comunidades acadêmicas e científicas, professores, ONGs, comunidades locais e mídia.

A Década oferece uma oportunidade para a UNESCO e seus parceiros para reorientar a educação em direção à consciência de que todos nós compartilhamos um destino comum e um compromisso de um futuro melhor para as pessoas e o planeta.

Section for Education for Sustainable Development (ED/PEQ/ESD)

web: www.unesco.org/education.desd


TEXTO 03 – OS IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS DA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

Arlete Moysés Rodrigues[1]

A tecnicização do território - Todos os componentes da sociedade são promotores do desenvolvimento, embora este seja atribuído apenas aos detentores de capital, que recebem os “frutos” do progresso. Os demais - a maioria - ficam com os “frutos podres” pois não têm acesso aos bens e serviços produzidos.

As inovações tecnológicas transformam, modificam, alteram o espaço geográfico em todas as escalas (local, nacional e global). Paul Virilio, ao escrever sobre os motores da história, nos mostra como as inovações técnicas transformam as relações entre os indivíduos com a natureza em todas as escalas. Os motores a vapor, a explosão, o elétrico, o foguete e o da informática, contribuíram para uma “tecnicização do território”, tornando assim o espaço geográfico cada vez mais mecanizado com profundas alterações no modo de produzir, nas formas de circulação e de consumo do espaço.

No atual período histórico, que o geógrafo Milton Santos chamou de meio técnico científico-informacional, está cada vez mais presente o uso da tecnologia para o planejamento urbano, rural, regional. Essa relação passa a ser tão intrínseca que alguns autores o denominam de era da tecnociência ou tecnosfera ressaltando a inseparabilidade de ambas.

Assim, o progresso acelera-se. As mazelas são consideradas desvios do modelo: os problemas urbanos são atribuídos à falta de planejamento, à migração, etc. Os problemas ambientais à pobreza que não sabe “preservar”, ou seja, que desmata, que joga lixo nas águas, etc. Ou seja, os impactos não são analisados em sua complexidade, mas atribuídos a falhas técnicas e/ou humanas. As análises dos impactos são simplistas, definem como prioridade a mitigação dos mesmos no “meio-ambiente” nos locais onde haverá empreendimentos.

Os impactos sócio-ambientais - Praticamente todos os elementos da natureza e a própria natureza se transformaram em “recursos”, ou melhor, mercadorias. A água, elemento vital, é denominada “recurso” hídrico. A escassez da água faz com que se procurem formas de “administrá-la” com o “gerenciamento de recursos hídricos”, de “gestão de bacias hidrográficas”, criando-se órgãos administrativos como os comitês de bacias hidrográficas que tentam “organizar” a captação, a distribuição, o uso da água.

Foto: NASA/JPL/NIMA

Mas as bacias hidrográficas integram a paisagem e não podem ser isoladas sem considerar a localização, características do relevo, de clima, de drenagem, de ocupação sócio-espacial, das atividades econômicas das áreas onde se inserem. Também não é possível considerar que a dinâmica das bacias hidrográficas possa ser definida nos limites administrativos (município, estado, país). Basta lembrar que a bacia amazônica drena mais de um país e que a do São Francisco banha mais de um estado brasileiro.

Além disso, os comitês de bacias hidrográficas não dispõem de instrumentos para analisar ou intervir no processo de ocupação do território. Ocorrem centenas de intervenções pontuais do poder público, da iniciativa privada, desarticuladas entre si e dos comitês. Também não estão integradas com propostas gerais do chamado planejamento sócio-ambiental.

As alterações do regime hídrico devem ser, assim, objeto de compreensão e análise da complexidade e não apenas “imaginar” a água como um recurso isolado. As mudanças de cursos de rios, de captação de águas, têm sido relacionadas apenas à questão do abastecimento e não à complexidade do significado que envolve uma área drenada por um rio e seus afluentes.

Os “recursos hídricos” são problemáticos em todas as bacias hidrográficas, pois o recurso água é rapidamente exaurido por empreendimentos que comprometem sua qualidade e quantidade com soterramento de nascentes, derrubada de matas galerias, impermeabilização do solo, alteração do escoamento das águas pluviais.

Indiretamente como produto do processo de industrialização e urbanização, altera-se a quantidade e qualidade de água disponível. Escondem-se os rios (canalização), ocupam-se várzeas, esgotos são despejados sem tratamento, sedimentos são carreados pelas chuvas provocando o assoreamento de rios, córregos, represas. As ilhas de calor (micro-clima) interferem na precipitação e, portanto, na quantidade de água das chuvas que abastecem os mananciais hídricos. Na metrópole paulista está ocorrendo deslocamento das chuvas de convecção (verão) das áreas de mananciais para as áreas centrais, dada a maior temperatura dessas áreas. A mudança climática global interfere no clima, na pluviometria mundial. Altera-se, em conseqüência, a dinâmica da circulação das águas superficiais e as possibilidades de uso, tornando-a mais escassa e cara.

Diretamente há inúmeros exemplos de interferência na problemática das águas com alteração de cursos de rios, como o do Rio Pinheiros que teve seu curso revertido para gerar energia elétrica, retificação de rios meândricos, transferência de águas de uma bacia para outra, tornando-a “furada”, com água captada para outra área alterando a dinâmica natural.

A grande obra do governo: o projeto São Francisco - O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, que pretende ser empreendido pelo governo Lula, sobretudo pelo Ministério da Integração Nacional, da maneira que está sendo proposto é um equívoco. Este projeto localiza-se em área de clima semi-árido, com pequena precipitação pluviométrica e temperatura elevada. A transposição de rios, córregos de uma bacia hidrográfica localizada em clima semi-árido provocará conseqüências que não estão sendo analisadas. O que ocasionará “furar” a bacia do Rio São Francisco? As análises consideram todas as possibilidades que a interferência na natureza provocaria na região? Analisa-se a complexidade sócio-espacial?

Trata-se, na verdade, de um macro sistema de engenharia, onde o espaço é pensado de forma geométrica e não geográfica, ou seja, calcula-se a vazão para uma possível retirada, 3,5% da vazão total do Rio São Francisco, a capacidade das estações de bombeamento, a extensão dos aquedutos, o diâmetro dos túneis, e pouco, ou nada, se estuda sobre a complexidade sócio-espacial da região, sobre os impactos sociais. Afinal, de que adiantaria levar água para uma região onde a concentração fundiária é, ainda, o principal obstáculo a ser transposto? De que adiantaria levar água para uma região onde as pessoas não têm terra? E por último, quem usará essa água? O problema fundamental é a cerca das propriedades, ou a seca?

Com o investimento previsto de cerca de 5 bilhões de reais, o Projeto de Integração visa inserir, ainda mais, a região Nordeste na Divisão Internacional do Trabalho. A região de influência dos eixos de transposição Norte e Leste, funcionará por uma racionalidade exclusiva do valor de troca em detrimento do valor de uso, transformando-se, assim, em mais um espaço da “globalização”. Verifica-se, assim, que a forma de atuação, intervenção nas bacias hidrográficas não difere do processo geral de apropriação e propriedade e do ideário do desenvolvimento entendido como progresso. Essas intervenções são analisadas como se formassem um circuito fechado do empreendimento que se pretende implantar.

Mas a natureza não tem fronteiras estabelecidas pelos homens nem seu tempo é semelhante ao tempo social. A transferência de água de uma bacia para outra, de uma área da bacia para outras regiões é considerada apenas em aspectos pontuais sem considerar a complexidade do que ocorre e ocorrerá com esses processos.

Genericamente os estudos aparecem mais como um conjunto de justificativas para os empreendimentos com propostas de mitigações de intervenção definidas a priori pelos empreendedores públicos e privados. Consistem em repor vegetação, implantar pequenos parques em outros locais ou nas vizinhanças.

O efeito cumulativo e/ou indutor, o crescimento das atividades econômicas, a expansão das áreas ocupadas, o crescimento da população, a alteração de vazão dos rios em função da ocupação das várzeas, maior consumo de água, a evapo-transpiração, as alterações na infiltração das águas pluviais, considerando a impermeabilização, destruição das matas galerias em especial nas áreas de nascentes, etc., alterações climáticas mundiais, de micro-climas, não são sequer mencionadas.

Dada as formas de apropriação/propriedade de um elemento da natureza hoje escasso, procura-se gerir a natureza incluindo-se o que se chama de participação social nas audiências públicas dos Estudos de Impactos Ambientais (EIA), restritos ao empreendimento, utilizando-se das palavras mágicas, a busca do desenvolvimento sustentável. Não se tem notícia de análise de estudos prévia dos impactos de vizinhança ou do debate sobre os planos diretores de todos os municípios que serão atingidos como estabelece a Lei 10257/01 - Estatuto da Cidade - para averiguar se uma obra dessa envergadura atende aos princípios da função social da propriedade.

Para tratar da transposição do Rio São Francisco deve-se considerar que haverá uma alteração em toda a dinâmica territorial do país. Toda a sociedade brasileira deveria ter acesso aos propósitos e debater essa problemática e não apenas o que se define como áreas dos comitês da Bacia do São Francisco. Afinal, como já dito, a natureza não tem fronteira administrativa.

Não é possível considerar válido que o que foi proposto na época do Império, tenha sido retomado no final do século XX e seja implementado no século XXI sem que se analise o impacto social, econômico, político, considerando o que se hoje se conhece dos processos da natureza e da sociedade.

Disponível em http://www.terrazul.m2014.net/spip.php?article200 . Acesso em 29/12/2007. Para saber mais sobre o assunto, acesse os sites:

www.umavidapelavida.com.br/

www.ufmg.br/online/arquivos/006796.shtml

www.integracao.gov.br/saofrancisco

www.ambientebrasil.com.br/.../agua/doce/index.html&conteudo=./agua/doce/artigos/transposicao.html

www.agenciabrasil.gov.br/media/infograficos/2007/02/20/260207



[1] Professora livre docente em geografia do IFCH-Unicamp

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